dia 12 de julho de 1821

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Após meses de acesas discussões nas Cortes Constituintes, Francisco Soares Franco proferira: […] Em todos, os paizes onde ha Censura previa, tem ella produzido a decadencia do Estado, e a ignorancia e barbaridade dos Povos […]
«A faculdade de pensar é o atributo próprio da espécie humana e inteiramente livre […] Mas a escritura não é mais do que o pensamento publicado no papel; é por consequência igualmente livre, contanto que não ofenda os direitos da sociedade ou dos outros homens por essa publicação. A liberdade de imprensa não é só de direito natural quando está coartada nos limites de uma exata justiça, mas é a salvaguarda da Constituição.» Mais adiante, Soares Franco voltava a insistir na necessidade de precaver possíveis abusos da liberdade de imprensa, e, para tal, fixava seis tipos de publicações que constituíam delito: «doutrinas tendentes a destruir a religião católica apostólica romana»; «máximas ou doutrinas contrárias ao Governo constitucional, ou que excitem os povos à rebelião»; provocações às autoridades, ou incitações à desobediência a estas ou à lei; incitações a «vassalos de outras nações a desobedecerem aos seus Governos ou monarcas»; «escritos obscuros ou contrários aos bons costumes» e injúrias a pessoas ou «corporações» que «manchem a sua honra e reputação». Contudo, o artigo 1.º do seu projeto, que rejeitava a censura prévia, deixava bem claro que não pretendia resolver o problema dos abusos através do velho método usado pelo absolutismo, o qual, aliás, se mantinha em vigor, ainda que com outra feição. Com efeito, o próprio Governo interino de Lisboa estabelecera, a 21 de setembro de 1820, uma comissão de censura prévia, a qual, enquanto as Cortes não fossem eleitas e legislassem sobre a matéria, tinha como função garantir que os textos impressos respeitavam a Monarquia, o rei, a dinastia de Bragança, a religião católica e a Constituição que havia de ser feita, e que não eram usados para alterar a ordem pública ou difundir «doutrinas» ou «expressões» prejudiciais às relações externas do País.
A 3 de março, o projeto de Soares Franco, que previa, também, uma Junta de Proteção da Liberdade de Imprensa, foi enviado para a comissão de legislação. Entretanto, decorrera o debate dos três artigos do projeto das Bases da Constituição relativos à liberdade de imprensa. Estes reconheciam a liberdade de pensamento e de expressão como «um dos mais preciosos direitos do Homem», garantindo-a, desde que não causasse perturbação da «ordem pública estabelecida pelas leis do Estado». Não haveria censura prévia e os abusos seriam julgados por um tribunal criado especificamente para esse efeito pelas Cortes. O artigo 10.º, porém, atribuía o direito excecional aos bispos de poderem censurar – deduz-se que não previamente –, os «escritos publicados sobre dogma e moral», beneficiando, para isso, do auxílio do Governo.
O debate foi, talvez, tão ou mais importante do que aquele que, dois meses mais tarde, se debruçaria sobre a lei de imprensa propriamente dita. A instituição da liberdade de imprensa gerou consenso, mesmo entre os deputados mais conservadores, embora, como seria de esperar, os seus maiores louvores tenham vindo da parte dos setores moderado e radical, com Agostinho José Freire, Manuel Borges Carneiro e Manuel Fernandes Tomás a considerarem que a Monarquia Constitucional era inseparável da liberdade de imprensa e não poderia subsistir sem esta. Já João Pereira da Silva e João Soares Castelo Branco abordaram a questão com alguma originalidade, ao ligar a liberdade de expressão com o direito à propriedade, enquanto Francisco Simões Margiochi procurou tranquilizar os mais receosos com recurso à mitologia grega: «É preciso não considerar a liberdade de imprensa como a caixa de Pandora de que sairão todos os males, mas sim como o fogo do Céu, arrebatado por Prometeu para animar a beleza.»
O desacordo emergiu a propósito das limitações à liberdade de imprensa, mais concretamente em torno da manutenção, ou não, da censura prévia, que se transformou no assunto central da discussão. Os defensores da censura prévia dividiam-se entre os que queriam a sua aplicação a qualquer tipo de matéria e aqueles que preferiam restringi-la aos assuntos de carácter religioso, como António Camelo Fortes e António Pinheiro de Azevedo. De entre o grupo dos primeiros, distinguiram-se D. Luís da Cunha de Abreu e Melo (bispo de Beja), Joaquim Anes de Carvalho, duvidoso da preparação do povo português para lidar com tamanha liberdade, e Manuel Madeira Torres, que argumentou que mais vale prevenir do que remediar: «Se porém na liberdade de imprensa podem cometer-se abusos criminosos, porque há de remover-se a barreira da censura prévia? Não é uma regra geralmente adotada em legislação criminal que são mais sábias e providentes as leis que acautelam os delitos do que as que o punem depois de perpetrados? Não é a humanidade mais devedora à Medicina quando esta lhe oferece um preservativo para escapar de alguma doença do que quando ministra o remédio para curá-la?».
Do lado dos opositores à censura prévia, Soares Franco, depois de afirmar que a censura prévia produzia «a decadência do Estado e a ignorância e barbaridade dos povos» em todos os países onde vigorava, procurou demonstrar que a censura posterior era um melhor meio de prevenção do que a censura prévia: «Previne-se o crime muito bem por meio de uma censura posterior. O homem é desviado das más ações por meio do castigo e da certeza de ser conhecido. Porque não rouba o ladrão no meio de uma praça pública e em pleno dia? É porque seria logo descoberto, preso e castigado.» Fernandes Tomás foi mais longe: «Ninguém nega que seja prevenir os crimes do que castigá-los; mas nego eu que a censura prévia previna os abusos que se podem seguir da liberdade de imprensa. Ou um escritor teme as penas da lei que lhe proíbe atacar a religião e os costumes, ou não teme. No primeiro caso não escreve, e escusa-se portanto censura prévia; no segundo escreve sempre, e é inútil por isso essa censura.» Fernandes Tomás era igualmente da opinião que, embora houvesse «males» associados à liberdade de imprensa, aqueles causados pela censura prévia eram mais graves e numerosos. Agostinho José Freire exemplificou: «Desde o princípio do mundo se têm perpetrado tais mortes e ninguém se lembrou de ligar ou cortar, por isso, as mãos de todos os homens. Existem laboratórios químicos e, nestes, o aço, o ferro, as armas de fogo e a pólvora, e ninguém se lembrou ainda de os proibir para evitar os crimes que com eles às vezes se cometem: e qual é a razão? É porque a soma dos bens que resultam à sociedade do uso destes objetos é incomparavelmente maior do que alguns poucos abusos que não duvido possam também haver na imprensa, mas estes castigará a lei.»
A posição de manter nas Bases a abolição da censura prévia em qualquer matéria acabou por sair vencedora. Quanto à lei de imprensa, o resultado dos trabalhos da comissão de legislação só foi apresentado às Cortes a 28 de abril, com o debate a principiar no dia 2 de maio e a prolongar-se durante dois meses. Uma das suas fases digna de menção foi a discussão sobre a possibilidade, ou não, de punir as críticas ao sistema constitucional, com a vitória a ir para o «sim». Ainda que os termos usados no artigo do projeto tenham sido modificados, de «combatendo o sistema constitucional» para «atacando a forma do Governo representativo adotado pela Nação», manteve-se o seu sentido original, o de que a imprensa não poderia atentar contra os alicerces ideológicos do sistema liberal, pois os deputados receavam que, de outro modo, aquela se transformasse numa arma contrarrevolucionária para o minar e derrubar. Ainda assim, foi opinião da maioria que esta deliberação não afetava o direito de discordar dos atos governativos e de os criticar, visto ser uma prática indispensável à existência de opinião pública e, por inerência, do próprio sistema político liberal.
introduziu a liberdade de «imprimir, publicar, comprar e vender nos estados portugueses quaisquer livros ou escritos sem prévia censura», bem como o direito de propriedade literária, vitalícia para autores e tradutores, e com a duração de dez anos para os seus herdeiros. Elencava quatro tipos de abuso – contra a religião católica, contra o Estado, contra os «bons costumes» e «contra os particulares», cada um deles incluindo um grupo de delitos possíveis, aos quais correspondiam sanções, multas e/ou prisão –, de acordo com a gravidade (1.º a 4º grau) com que cada um deles era cometido, sendo que as mais graves estavam reservadas para os delitos contra o Estado, com a pena de prisão a poder atingir os cinco anos. Em todos os casos de abuso, eram também apreendidos todos os exemplares do título em causa (livro, periódico, ou qualquer outro texto impresso) que estivessem na posse do autor, editor, impressor, vendedor ou distribuidor.
A lei continha uma meticulosa descrição de todo o processo judicial de averiguação e julgamento dos casos de abuso da liberdade de imprensa. A decisão sobre a presença, ou não, de delito era tomada por um conselho de juízes de facto, eleitos de entre os cidadãos do distrito, com pelo menos 25 anos de idade, em plena posse dos seus direitos e de reconhecida «probidade, inteligência e boa fama». Em caso de se avançar para julgamento, era eleito um segundo conselho, que, no fim, se pronunciava pela culpabilidade ou inocência do réu. A acusação era feita por um promotor de justiça distrital e o processo judicial era conduzido por um juiz de direito, que presidia ao julgamento, proferia a sentença e determinava a pena a aplicar. A ambos era exigida formação obrigatória em Leis.
Simultaneamente, o diploma instituía um Tribunal Especial de Proteção da Liberdade de Imprensa. Tinha como funções apreciar os recursos interpostos pelos réus em processos de abuso da liberdade de imprensa, apresentar às Cortes as dúvidas colocadas pelas autoridades acerca da execução da lei de imprensa e estudar o estado da liberdade de imprensa no País, devendo, no início de cada legislatura, comunicar às Cortes as suas conclusões e pareceres para solucionar eventuais problemas relacionados com a aplicação da lei.
O sistema foi delineado com notório cuidado, mas os constantes obstáculos levantados pelas forças conservadoras – quer os absolutistas que haviam permanecido no aparelho de Estado, quer os governantes e autoridades liberais, mas de tendência conservadora – impediram que tivesse funcionado com eficácia. À medida que o debate político na imprensa se intensificou, as autoridades assumiram uma política cada vez mais repressiva, primeiro direcionada para os periódicos ligados ao liberalismo radical, depois, a partir de 1823, para aqueles que lutavam pela contrarrevolução. A situação política resultante da Vilafrancada restaurou a censura prévia e perseguiu os jornalistas liberais, obrigando-os a emigrar novamente. A 6 de março de 1824, a primeira lei de imprensa era finalmente anulada e reposta a legislação muito restritiva que controlara a imprensa nas décadas anteriores à Revolução Liberal.
#hoje na imprensa
No Diário de Notícias, o Secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva, escreveu: Mais do que nunca o jornalismo é fundamental.
No Jornal de Mafra, Assinalam-se hoje os 200 anos da primeira Lei de Liberdade de Imprensa em Portugal.
No Jornal de Notícias, Grupo de trabalho vai fazer levantamento sobre revisão da Lei de Imprensa.
N'O Templário, CTT apresentam selos sobre os 200 anos da liberdade de imprensa.